Autor: Marcelo Rubens PaivaAlgaguara296 páginas
Sinopse: Trinta e cinco anos depois de Feliz ano velho, a luta de uma família pela verdade Eunice Paiva é uma mulher de muitas vidas. Casada com o deputado Rubens Paiva, esteve ao seu lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Mãe de cinco filhos, passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi preso por agentes da ditadura, a seguir torturado e morto. Em meio à dor, ela se reinventou. Voltou a estudar, tornou-se advogada, defensora dos direitos indígenas. Nunca chorou na frente das câmeras. Ao falar de Eunice, e de sua última luta, desta vez contra o Alzheimer, Marcelo Rubens Paiva fala também da memória, da infância e do filho. E mergulha num momento negro da história recente brasileira para contar — e tentar entender — o que de fato ocorreu com Rubens Paiva, seu pai, naquele janeiro de 1971.
Ainda Estou Aqui não é um livro sobre o horror da Ditadura Militar imposta ao povo brasileiro em 1964, apesar de este ser um dos assuntos base da narrativa, na realidade este livro narra a luta de uma família pela verdade. Família esta que que via a falta de imposição da justiça com relação a crimes cometidos durante este período, não apenas no cerne de suas vidas, mas no âmago da sociedade. Através da determinação de Eunice Paiva acompanhamos os anos decorridos desde a prisão e morte de Rubens Paiva, mas acima de tudo o que chama atenção nesta obra é a força de uma mulher que precisa se reinventar a cada nova fase da sua vida, se adaptando de forma objetiva aos desafios impostos, enquanto mantém a família unida principalmente por sua praticidade e força de vontade.
"A família Rubens Paiva não é vitima da ditadura, o país que é. O crime foi contra a humanidade, não contra Rubens Paiva."
Para narrar os acontecimentos que se sucederam ao crime contra seu pai Marcelo Rubens Paiva volta a momentos cruciais do passado de sua família. Sem utilizar-se de uma linearidade temporal, indo e voltando em momentos marcantes de sua infância e também se atendo a momentos recentes o autor esmiúça o caso do pai que anteriormente havia sido tratado superficialmente em Feliz ano Velho. Trinta e cinco anos depois de relatar os fatos sobre seu acidente e a forma como foi capaz de superar a tetraplegia "Ainda Estou aqui" (2016) é publicado como uma espécie de continuação de "Feliz ano Velho" em que Marcelo não é personagem principal mas narrador da luta, dor e busca pela verdade no caso do pai, pela família e principalmente pela mãe, caso este que muito recentemente, em 2014, não tinha ainda sido detalhado ou assumido pelos militares envolvidos no crime.
Aqui temos como protagonista a mãe, Eunice Paiva que passa a figura de uma mulher prática, que não se baseia na emoção. Seu retrato expõe a imagem de uma pessoa forte e determinada, que acima de tudo possui defeitos como qualquer outro, uma pessoa no mais cru do ser humano. Uma mulher de 41 anos que se vê na condição de provedora de uma família com cinco filhos, italininha versada na arte da insensibilidade mas que demonstra também grande apresso no modo de conduzir esta mesma família abalada pela violência de um período em que ter opinião e ser contrário ao governo era crime passível de tortura e assassinato.
"Grandes gestos são humildemente casuais. Tenho um agradecimento a fazer aos militares brasileiros: obrigado por não terem matado a minha mãe."
Marcelo através de seu relato, e baseando-se em memórias e documentos oficiais, bem como áudios e cartas elabora um relato biográfico que aos poucos revela a verdade por trás das mentiras contadas ao país e a sua família. Contudo, em momento algum se baseia no ódio ou no rancor contra aqueles que conscientes de seus atos infringiram dor e sofrimento a sua família. Ao final da narrativa o autor deixa claro que o caso está longe de ser encerrado e que a luta empreendida por sua mãe, hoje com setenta e poucos anos e portadora de Alzheimer, ainda continua. O que a família acredita que nunca será solucionado é o motivo para Rubens Paiva ter sido alvo de tanta violência, deputado federal cassado e anteriormente exilado pelos mesmo que viriam a cometer o crime contra si, Rubens segundo relato do próprio filho era um homem alegre e risonho, que não tinha um papel efetivo com relação a politica há anos, um homem que não fazia parte da luta armada e que atuava nos bastidores apenas ajudando amigos a seguirem para o exílio ou a esconderem-se dos temidos ditadores. Um homem cujo único crime foi ser contrário a um regime opressivo que não tinha escrúpulos em torturar aqueles que não concordavam com seu modo brutal de comandar o país.
"Não faríamos o papelão de sair tristes nas fotos. Nosso inimigo não iria nos derrubar. Família Rubens Paiva não chora na frente das câmeras, não faz cara de coitada, não se faz de vítima e não é revanchista. [...] A família Rubens Paiva não é vítima da ditadura, o país é que é. [...] Angústia, lágrimas, ódio, apenas entre quatro paredes. Foi a minha mãe quem ditou o tom, ela quem nos ensinou."
Confesso que me indignei e me emocionei em diversos pontos da narrativa. Eunice Paiva protagonista e senhora de si tornou-se para mim um modelo de força e determinação. Através dos olhos do filho que demonstra orgulho tremendo da mãe que poucas vezes mostrou-se abalada ou destroçada mesmo nos momentos mais difíceis de sua luta conhecemos um exemplo de que perseverar e lutar pode mover montanhas. Enfim, "Ainda Estou Aqui" é quase um livro didático para aqueles que pouco conhecem sobre a realidade da ditadura, é um livro que precisa ser lido, um relato cru e verdadeiro de uma época que deixou cicatrizes em um povo que ansiava por liberdade. Ao terminar a leitura me senti quase obrigada a reler "Feliz ano Velho" livro que sinto que será muito mais esclarecedor lido após este novo olhar que tive da família Rubens Paiva.
"...era prática, culta, sensata, magra, workaholic. Tudo o que não se quer de uma mãe. Falei no passado, reparou? Quando eu queria colo de mãe, apelava para as minhas avós, mães de amigos, professoras. Minha mãe deve ter me dado uns quatro beijos na vida. [...] Nunca dancei com a minha mãe. Nunca a abracei de verdade. Nunca gargalhamos juntos"
Com relação a edição não há muito o que dizer, a não ser voltar os olhos para a simplicidade gráfica que a obra parece exigir, algo visto em sua apresentação estética que devido a mesma simplicidade salta aos olhos. Também não encontrei problemas de revisão, o que é um ponto forte visto que a escrita de Marcelo é bem peculiar. No mais, só me resta indicar a leitura, apesar de ser uma narrativa que pode não agradar muitos é também um apanhado histórico do horror que nosso país viveu por cerca de vinte anos.
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